vedei as ameias aos sonhos
retirei-me do postigo de onde
arregalava os olhos
à procura do teu nome nas folhas que
caíam
e do tempo - tanto! - em que fiquei
inerte
a receber a rebentação das ondas no
peito
agora sou pedra
rocha dura sujeita apenas à erosão
das noites
quando a lua está cheia
descalçarei os sapatos da vida para
que nus
meus pés sintam as areias do tempo
a serem chão fugidio
e quando me cansar de ser sal irei
banhar-me
no rio das pedras
ficarei a boiar em contemplação do
céu
até que as nuvens
sejam cinza nos meus olhos
não buscarei nas margens qualquer
indício
da tua existência
já sei que não existes
e é por isso que agora vou ser sempre
só eu
entre a terra e o mar
um mel a adoçar os rios
até ao dia de ser fogo
e finalmente
apenas cinza nalgum olhar
Rosário Alves
5 comentários:
É preciso muito caminho, para se ser...
" entre a terra e o mar
um mel a adoçar os rios"
e sendo, só uma voz abraçada ao mundo consegue dizê-lo assim. Obrigada!
Um beijinho grande
Um poema diferente...com sabor a sal e a mel!
Gostei
Beijo
Graça
Palavras que apetece ilustrar.... pintar cada um dos teus poemas. Aguarda.
XI doce
dina
porque vivemos enquanto formos ainda que apenas cinza num olhar...
Gostei muito!
Beijinhos.
Talvez a cinza tenha a densidade de tudo o que nos é ausência. Dolorosa e inabraçável. Impossível. Talvez nunca nenhuma partícula nos possa completar. Talvez a tristeza acabe sempre por voltar.
Mas suponho que nos cabe permanecer. Dolorosamente inabraçados. Inacabados.
Recebe o meu abraço, insuficiente, talvez, mas inteiro.
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