23.4.14

as calçadas do olhar

 

servimo-nos de abrigos inventados
ao som da passagem
das nuvens
pelo rasto dos passos que não demos
e
trazemos nos olhos um soluço
silenciado à luz do arrepio
que nos percorre
os dentes
na hora de morder a vida

olhas a calçada irregular
do lado de dentro
da alma
e
o gato preto atravessa-a
como a uma casa sua
secreta
-visitada por pássaros pequenos
e folhas cansadas das árvores-
regular na sua passada

ontem partiu-se
o espelho por onde te espreitavas
a alma
ontem havia
uma chaminé de tijolo ocre
por onde se esfumavam os estilhaços
irregulares
de uma dor sem som

hoje irás segurar
os vidros desencontrados
de ontem
ensanguentar as mãos nuas
eivadas e inúteis
e percorrer com eles todas as calçadas
que marcaste com o olhar


Rosário Ferreira Alves

5 comentários:

Manuel Veiga disse...

ir ao fundo... e voltar!

até que os dedos sejam flores orvalhadas...

belíssimo.

gostei muito.

beijo

Mar Arável disse...

Até que as sombras se rebentem

Bj

AC disse...

Rosário,
Gostei, deveras, do poema. De tal forma que me serviu de inspiração para um pequeno texto.
Obrigado.

Beijo :)

Olívia Marques disse...


O espelho que representa a realidade de forma invertida... Multifacetadas imagens, quando partido.

Belo poema

Um beijo

José Rodrigues disse...

Gostei muito!