5.6.15

o medo



imaginamos sinais de orvalho nas manhãs que emergem
das noites mais quentes e secas
do estio da nossa alma
antecipamos caminhos largos e floridos
nas placas cimentadas do chão
onde nos pregamos aos pés

e pedimos ao sol que trespasse
as densas nuvens do nosso inverno
interno

a cada tempo queremos um outro tempo
em cada espaço suspiramos por outro espaço
e nas mãos de hoje vemos apenas
a saudade dos toques de ontem
a ânsia pelos gestos de amanhã
e as marcas dos momentos que não vimos passar

fechamos as janelas ao medo como se ele tivesse saído
para passear os cães que nos guardam as portas

na recusa de vermos que moramos numa casa
feita de pele
sem portas nem janelas
inalamos o ar rarefeito no conforto aveludado de todas as coisas
exteriores a nós
e exteriores ao nosso medo

mas o medo é um gato preto e manso
que se deita no nosso ombro esquerdo
à espera de um afago
para se poder cumprir

e quando o medo se cumpre
o medo
não mete medo algum

temos por baixo da pele uma vida feita de instantes
ausências esperas
dores angústias
risos prazeres
instantes de corpo de alma

e de afagos
ao nosso medo preto
no olhar branco do nosso gato
manso


Rosário Ferreira Alves

5 comentários:

Manuel Veiga disse...

carpe diem...

um gato preto de pelo macio...

gostei muito. mesmo

beijo

Mar Arável disse...

Tantos são os azuis nos olhos dos gatos

Mar Arável disse...

Tantos são os azuis nos olhos dos gatos

Graça Alves disse...

Cheguei aqui através do Rui Féteira e ainda bem, porque é sempre bom ler quem escreve bem...

Graça Pires disse...

O medo que sentimos. O medo que vencemos...
Muito bom!
Um beijo.